quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Você conhece todas as formas de amar? – Parte 2

Meio-dia ele vem até mim como se dissesse “estou pronto para o meu cochilo”. A partir dessa hora depois de um momento de energia extra ele começa a acalmar o facho. Então eu o carrego em meus braços como um bebê e vou até a cozinha, onde a sua casinha fica perto, e pego a sua escova. No meu colo ele começa a relaxar ainda mais e a dar umas respiradas que são ao mesmo engraçadas e cheias de ternura. Fecha os olhinhos quando eu começo a escovar seu pelo macio e chega a levantar o pescoço para eu continuar com esse ritual diário que o leva até o sono profundo em minutos. Nesta hora, seu corpo está junto ao meu e sinto as batidas do seu coração junto ao meu peito e mesmo que não sejamos do mesmo reino animal, tenho certeza absoluta de que ele é meu filho. 

Hercules, ou já conhecido como Herkey e mais outros 20 apelidos que dei para ele, é um vira-lata Shichon. Aqui nos Estados Unidos essa mistura de Shih Tzu e Bichon Frise é chamada de “Teddy Bear” ou ursinho de pelúcia. Ou seja, fofo em ultíssimo grau.




Em 2007 eu fiz um texto em que refletia sobre essa pergunta você conhece todas as formas de amar?” e nele compartilhava até então a minha única e curta experiência convivendo com um cachorro que cuidei por 2 semanas. Como menciono no texto, eu nunca tive contato com nenhum ser peludo a minha vida inteira. Lambidas e puladas de alegria em cima de mim eram sinônimos de “socorro, alguém me ajuda, tira esse monstrinho daqui”. Mas no auge dos meus 42 anos, beirando os 43, eu trouxe para casa o meu primeiro cachorro da vida e que mudou meu modo de enxergar o amor, ainda de forma mais profunda do que em 2007.

A ideia de ter um cachorro obviamente não foi minha. Desde que me casei e mudei de mala e cuia para a América do Norte e dos cachorros (sim, americanos são loucos por cachorros), os meus enteados pediam por um cachorro, em especial a caçula. Apesar de morar em casa, o nosso quintal é aberto, sem cerca e como alugamos não há nem de longe a possibilidade de cercá-la. Então, como ter um cachorro em casa 80% encarpetada, logo eu a rainha das alergias? Inverno então, como fazer? Cachorro nem pensar!

Mas chegou-se a um ponto que a insistência virou a única bandeira da minha enteada e a pressão agora já envolvia outros escalões da família, significando que o meu marido estava no time do vamos ter um cachorro. Mas a decisão final seria de quem? Minha!

Alergia, casa, paciência e o maior problema de todos, responsabilidade de cuidar do ser peludo. Para mim eram só barreiras e para cada uma a minha enteada tinha uma solução, é claro. Criou inclusive um manifesto em que colocava 100% a responsabilidade de alimentar, passear, dar banho, brincar, etc, para si.

Obviamente não acreditei na história dos 100% de responsabilidade, sabia que ia sobrar para mim já que trabalho de casa, cozinho, cuido da casa com primor e odeio bagunça. Tudo que um cachorro atrapalharia a minha rotina. Mas cedi!

Pegamos o Herkey em uma cidade há duas horas de casa. Ele era muito peludo, mas segundo o Google essa mistura era hipoalergênica a não soltava pelo, por isso a decisão pelo ursinho de pelúcia. Porém, ele estava há 3 meses de vida convivendo com outros Shichons e estava fedido de xixi, sendo que urina de cachorro para quem é alérgico é batata. Pronto, duas horas de volta para casa tive que parar para comprar um antialérgico porque já tinha além de espirros, olhos lacrimejando, placas pelo pescoço. Mas além da alergia, estranhamente já tinha outro sintoma, um amor incondicional por esse ser cheirando à urina.

A alergia foi piorando conforme ele foi se aclimando aqui em casa. Éramos eu e ele nos adaptando. O curioso é que ele também é um cachorro tido a alergias. Vai saber as conexões da vida...

Acabou que quem estava com ele na maioria do tempo? Eu. Os 100% de responsabilidade foram literalmente transferidos para mim. OK, vamos ser justos, 80%. O restante do “leva ele para fazer xixi”, “limpa o cocô”, foram distribuídos pelas crianças a muito custo e a ameaças de “você não queria um cachorro?”. Mais tarde o meu marido compartilhou essa minha percentagem de cuidados com o Herkey.

No meio dessa adaptação de todos, em especial a alergia que parecia estar indo embora, veio a pandemia do COVID-19. Isso significou que além de mim, que já ficava em casa mais do que todos, agora a casa estava cheia o tempo todo também. Quem amou essa história? Ele é claro! 

A convivência com o Herkey foi intensificada e o amor que ia aos poucos se construindo foi não somente ajudando a acabar com a minha alergia, mas também me deixando mais manteiga derretida. Não posso mais ver uma matéria sobre um cachorro que sofreu abuso, que não tem uma perna ou que foi abandonado, para chorar litros. 





Não, eu não era assim antes. Não que fosse insensível, mas não conseguia compreender por completo esse amor por bichos. Julgava quem só compartilhava foto do cachorro em redes sociais e gastava comprando brinquedos para seus filhos de quatro patas. Hoje me vejo fazendo o mesmo, talvez até um pouco mais do que o normal e sofrendo quando tive que deixá-lo em um hotel de cachorro por quase uma semana. Ligava para lá todo santo dia. “Que mãe mala”, deviam falar. Mas não estou nem aí para o que acham da minha pieguice canina. 

São os nossos momentos rituais de meio-dia que me enchem de amor e alegria. São os períodos em que estou focada trabalhando e ele aparece pedindo carinho que me derretem. Se eu conheço todas as formas de amar? Talvez não. Mas esse amor, ah esse amor, transforma.



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