quinta-feira, 30 de julho de 2020

Sincero Pedido de Desculpas

Já ouvi falar por aí que tenho um arsenal de histórias fantásticas e engraçadas do tipo “só acontece com a Rita”. Uma dessas histórias faz a graça para muitas pessoas que chegam a pedir para contar só mais uma vez, como crianças ensandecidas que pedem para que você leia aquele livro de novo.

Essa história é engraçada, trágica e envolve um certo nível de bullying, auto bullying diria. Gostaria muito de poder encontrar a pessoa envolvida nesta trama e olhar fundo em seus olhos e dizer “você me perdoa?”. Talvez essa culpa que carrego dentro de mim deste fatídico acontecimento aos 7 anos de idade possa ter gerado certas crenças limitantes em minha vida. Talvez.

Mas o fato é que nunca tive a oportunidade de olhar a situação com essa profundidade e muito menos assumir uma certa responsabilidade. Claro que estamos falando de uma criança, a ficha caiu muitos anos depois.

O ano era 1984. Auge da década dos exageros, do gel colorido no cabelo, da pochete que voltou com tudo na primeira década de 2000. Época também de ver Xuxa entrando na nave, dos pais não usarem cinto de segurança e todos fumavam cigarro, em todos os lugares.

A professora de ciências havia criado uma apresentação para a minha turma fazer. Mas não uma apresentação qualquer. Era para a escola, para os pais. Grande, coisa grande! Estávamos aprendendo sobre o sistema solar e os seus planetas. E ela designou alguns alunos para representar cada um dos planetas, o sol e a lua.



Quando recebi o meu papel na hora a professora disse que eu tinha que preparar o meu figurino e a minha cor seria uma das cores associadas ao Urano, verde. Eu tinha que decorar a minha fala, algo do tipo “olá, sou Urano e tenho 27 satélites naturais...” e então rodopiar pelo sistema solar desenhado no chão. Mas o que mais me deixava animada era o tal do figurino e a cor verde, que combinaria com meus olhos.

Voltei para casa e contei animadíssima para a minha mãe. Sabia que ela ia me ajudar a escolher o mais representativo e criativo figurino, porque ela é atriz e tinha muitas ideias legais para as nossas caseiras perfomances.

Tudo comprado, fomos confeccionar. Primeiro escrevemos Urano em glitter em uma clássica blusa branca Hering. Lindo, achei! Combinamos com um short verde que tinha. Pintamos as bolinhas de isopor e purpurinamos, é claro, com purpurina verde. Elas seriam alguns dos meus satélites. Mas, como colocar esses satélites flutuando na minha órbita?

Mamãe sabia dos truques. Pegou um capacete verde de plástico tipo militar dos anos 1940 e fez alguns pequenos cortes, colocou o arame por dentro e na outra ponta do arame, como se antenas, as bolinhas. Pronto, eu carregava os satélites verdes purpurinados na minha cabeça. Perfeito!

Chegando na escola, encontrei os outros alunos que também fariam parte da apresentação. Julião meu querido amigo na época seria o sol. Estava ótimo, com blusão grande bem solar. A minha amiga desde sempre, Lotus, estava com um vestido azul, ela era Netuno. E foram chegando os planetas. Todo muito achando muito criativa a minha produção.

Bruno tinha uma namorada na época. Vamos chamá-la de Patrícia. Patrícia era linda! Tinha longos cabelos aloirados, as melhoras roupas e era uma doçura. Extremamente irritante. Não éramos amigas, mas nunca me fez mal e nem eu para ela. Mas enfim, ela namorava com o meu amor. Neste dia ela seria Saturno.

Quando todos estavam lá se preparando para apresentação, se posicionado no sistema solar feito de giz no chão, estávamos esperando Saturno chegar para começar. Assim que Patrícia entrou na sala de aula foi um vira cabeça, um “ohh” em uníssono, que nunca irei esquecer. Patrícia estava de collant (tradução: maiô nos anos 1980) amarelo mostarda e sua saia era uma espécie de crinolina da Era Vitoriana, representando os anéis de Saturno. E os satélites? Era bolinhas purpurinadas de amarelo presas ao um arame que por sua vez eram presas à uma linda e delicada tiara.

Lá estava eu. Capacete militar com dois arames enfiados e segurando as bolinhas verdes. Magrinha, esquisitinha, feinha mesmo. Patrícia estava lá com seus cabelos esvoaçantes, tiara, saia, collant. Linda.

Acho que nunca me senti tão mal, com tanta inveja. Tive tanta inveja e me senti tão para baixo que na hora da minha fala eu confundi todo o meu texto. Fui rodopiar no sistema solar e quase caí. Difícil engolir. Só imaginava o quanto o Bruno estava orgulhoso da namorada, do Saturno iluminado.

Acabou apresentação. Acabou o meu mundo. Queria ir embora, queria sair dali. Demorou um tempo até nos despedirmos de todos e tudo mais e quando estávamos caminhando para a saída da escola, eis que surge o pai da Patrícia correndo com ela no colo. Seu collant amarelo era vermelho. Seu rosto era vermelho, seus anéis de Saturno também. Ao ver melhor aquela cena, vi que faltavam 2 dentes da frente e aquele vermelho todo era sangue, muito sangue. Ela havia caído de uma escada ao sair da escola e acredito que por conta da saia, se embolou ainda mais e bateu o rosto, quebrando 2 dentinhos.

Culpa. Muita culpa. Tinha certeza que a minha inveja e raiva da concorrente estar mais linda do que nunca era a razão do seu acidente. Ela logo depois saiu da escola e eu nunca tive a oportunidade de dizer, me desculpe.


segunda-feira, 27 de julho de 2020

Habitando o Presente

Quando a minha mentora de ideias, expressões artísticas e afins, Daniela Avellar, me pediu para escrever sobre habitar o presente, o primeiro estalo que me deu foi em decifrar e ir mais a fundo no assunto e assim recorrer à etimologia das duas palavras. Sim, sou dessas de querer escavacar as informações. Um lado de detetive que sempre me acompanha.

Habitar vem do latim habitare e significa “viver em, morar”, relacionado a habere, “possuir, ter, manter”. E no dicionário habitar é ter a sua residência em, ou seja, morar, viver. E o mais curioso: estar presente em.
presente vem do latim praesentia, que significa alguma coisa que está perto, ao alcance de alguém. Em termos gramaticais, o presente é um tempo verbal que indica que a ação acontece no momento em que se fala.
Habitar o presente ou simplesmente estar presente no momento. Que tarefa árdua nesta realidade digital e rápida em que vivemos. Como possuir o presente por inteiro, 100% se temos à nossa disposição um milhão e quinhentos mil informações para consumirmos todas ao mesmo tempo?


Alguns anos atrás durante um curso na School of Metaphysics aqui em Indianapolis, tínhamos que cumprir duas tarefas para ajudar a nos concentramos em apenas um ato a cada momento. Justamente o ato de habitar o presente. Eram elas: lavar a louça e prestar atenção no barulho da água, nas cores da espuma do detergente, da gordura difícil de sair da panela. Isso sem música, sem conversa paralela ou sem pensar no que fará em seguida. A concentração é total na tarefa.
O outro exercício, esse na minha opinião extremamente difícil, é acender uma vela e se concentrar na sua chama por no mínimo 5 minutos. Mesmo esquema: Isso sem música, sem conversa paralela ou sem pensar no que fará em seguida. A concentração é na chama, na cor, no barulho que estala da vela.
Sim, muito, muito difícil.
Se você habita o presente em que vivemos com as tais um milhão e quinhentos mil distrações disponíveis essas duas simples tarefas são um desespero. Posso escutar uma musiquinha no fundo? Não! Ah um podcastzinho zen? Nem pensar!
O intuito é justamente trazer a mente para o momento presente. Segundo filosofias orientais, quando a nossa mente está no futuro ficamos ansiosos. Não é de se espantar o alto índice de ansiedade em que o mundo está vivenciando. A mente entra no estágio acelerado de possíveis acontecimentos futuros, medo do tal do “e se”.
No livro “The Power of Now” (O Poder do Agora) do autor Eckhart Tolle diz que “... a condição psicológica do medo está divorciada de qualquer perigo imediato concreto e verdadeiro. Ele vem de várias formas: desconforto, preocupação, ansiedade, nervosismo, tensão, pavor, fobia e assim por diante. Esse tipo de medo psicológico é sempre algo que pode acontecer, não algo que está acontecendo agora.”. E assim a nossa mente fica lá, no daqui a 10 minutos, 1 ano, 5 anos..., mas e o presente? Não temos tempo para habitá-lo ou não criamos tempo para habitá-lo.
Nestes exercícios propostos pelo curso, o intuito era justamente isso. Criar o seu tempo de habitar o presente. E isso basicamente significa fazer uma coisa só a cada momento. Ou melhor, focar a sua atenção para uma tarefa a cada momento. Sendo uma pessoa multitarefa como eu, habitar o presente é sim trabalhoso, mas vou te dizer que é possível. E dá-lhe olhar para a chama da vela.